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Artigos

A Sucumbência e o Marco Civil da internet

06 Abril 2021

No começo do corrente ano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu – de modo aparentemente controverso – que as empresas de conteúdo digital, quando acionadas para repassar dados de usuários a terceiros, não podem ser condenadas em honorários de sucumbência.

Uma vez que, na visão daquela Corte, a obrigação de entregar tais dados decorre da lei.

No caso concreto, o Facebook foi acionado para repassar os dados, esperou pela decisão determinando a entrega das informações e cumpriu-a após a publicação, mas foi condenada em honorários sucumbenciais. Insatisfeita, a empresa recorreu ao TJ-SP, para não pagar os custos judiciais, alegando haver tão somente cumprido o artigo 19 do Marco Civil.

O Desembargador relator do apelo, então, acolheu o pedido da companhia, ao argumento de que a medida havia sido satisfeita integralmente, sem contrariedade, o que afastaria a imposição da sucumbência.

Entretanto, neste ponto, parece não assistir razão ao Facebook. Veja-se.

Mesmo que a Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos X e XII, assegure a todos o direito à intimidade e à inviolabilidade ao sigilo das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados, o inciso XIV do mesmo artigo é categórico ao estabelecer que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.” Acerca desse assunto, o art. 220 da Constituição Federal também assevera que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Nessa toada, malgrado a empresa eventualmente invoque dispositivos constitucionais e infraconstitucionais constantes da Lei do Marco Civil da Internet, ao argumentar que só poderia exibir os documentos requisitados por determinação judicial, é ela que – ao colocar as páginas no ar e ganhar dividendos com tal conduta – dá causa à ação judicial, o que não a exime ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios. Tal responsabilidade é ainda maior nos casos em que, interpelada extrajudicialmente, a empresa queda-se silente.

Em outras palavras, não é a Lei que impede a entrega dos dados: quem impõe o sigilo às informações requestadas é a própria política da companhia, que se beneficia financeiramente de tal conduta.

Dessa forma, considerar a tese de que a entrega dos dados deriva da força de Lei seria o mesmo que autorizar ao Facebook o direito pretérito de denegrir qualquer pessoa que seja, sob o arrepiante argumento de ser a Lei quem a determina para tanto. Dito de outro modo, seria autorizar a companhia a beneficiar-se da própria torpeza.

Da forma como entendeu o egrégio TJSP, conferiu-se aos interesses da indústria da internet – em face das vítimas de danos – verdadeira inversão dos valores fundamentais contidos na tábua axiológica da Carta Magna. Nesse contexto, ao revés da interpretação empregada pela empresa, deve-se considerar que, no artigo 7°, VII, do Marco Civil da Internet, é previsto expresso fornecimento de dados pessoais a terceiros, quando de consentimento livre, expresso e informado. Portanto, se a empresa não detém tal consentimento pretérito por parte de seus clientes, a responsabilidade é sua. Jamais, conforme pretende induzir, pode ser do indivíduo ora difamado ou da Lei.

Consequentemente, a condenação em custas processuais e honorários advocatícios deve reger-se pelo princípio da causalidade, recaindo sobre aquele que deu causa à propositura da ação, sendo certo que tal instrumento jurídico é consequência imposta à parte vencida e independe de qualquer requerimento da parte contrária. O eventual dano e a consequente ação em busca de seu ressarcimento resultam – no tipo de demanda como a julgada pelo TJSP – do conteúdo veiculado pelas páginas virtuais do Facebook. Dessa forma, é inquestionável sua caracterização a partir do princípio da causalidade.

É esse, inclusive, o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Na Apelação 2015.01.1.128670-4, a Corte decidiu que, caso “comprovado nos autos que o réu, mesmo notificado extrajudicialmente, negou-se a fornecer os documentos requeridos pelo autor, deve ser ele responsabilizado pelo pagamento das custas e honorários advocatícios, face à sucumbência, sendo incabível a responsabilização do autor, pois não foi ele quem deu causa à propositura da demanda”. De igual modo, na Apelação 2016.07.1.004781-3, o Tribunal asseverou: “em se tratando de ação cautelar de exibição de documentos, ainda que apresentada a documentação em contestação, se comprovada a recusa do requerido mediante solicitação na via extrajudicial, sobre este devem incidir os ônus da sucumbência, posto que constatado que deu causa à ação. Pelo princípio da causalidade, comprovado nos autos o prévio requerimento administrativo, o qual não foi impugnado especificamente pelo réu, caberá à parte ré suportar o ônus sucumbencial”.

Portanto, é mais sensato considerar como correto o argumento pela condenação da empresa ao ônus da sucumbência, uma vez que esta deu causa à eventual demanda. Muito embora não ocorra pretensão resistida por parte do Facebook, uma vez que essa prontamente cumpriu a determinação judicial no caso paulista, toda a controvérsia somente foi gerada porque o material danoso encontrava-se disponível naquele site.

* Advogado, especialista em direito digital e de imagem

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