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Reajuste Mensal no FGTS x Prescrição Debate Esquecido na Medida Provisória
No contexto da edição da Medida Provisória 889/2019, por meio da qual foi criado o chamado sistema de “saque-aniversário” para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o debate acerca do modo de correção dos índices de reajuste das contas do FGTS poderia ser analisado.
Dada a relevância do tema – e o fato de o assunto não ter sido incluído na proposta legislativa –, vale a pena resgatá-lo.
Por volta do ano de 2015, viralizou nas mídias sociais uma postagem afirmando ser possível pedir revisão das taxas de reajuste do saldo do Fundo de Garantia para quem houvesse trabalhado entre os anos de 1999 e 2013. O texto alegava que a justiça teria concedido a atualização do referido saldo, gerando uma infinidade de ações sobre o assunto.
De fato, várias pessoas obtiveram êxito nesse tipo de processo. Logo após iniciado o questionamento acerca da correção do índice, diversos juízes de primeira instância julgaram as ações procedentes, no sentido de aplicar-se primordialmente o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), ao invés da Taxa Referencial (TR), na correção mensal dos valores do Fundo.
Em razão da imensa demanda, um processo tramitando sob o rito de Recursos Repetitivos (REsp 1.614.874) acabou restando concluso no Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves.
Na ação, uma agremiação sindical sustentava que a TR deveria ser parâmetro tão somente de remuneração das cadernetas de poupança, não se prestando para a atualização dos depósitos do FGTS. Segundo tal argumento, a Caixa Econômica Federal estaria
equivocada ao utilizar a TR, tendo em vista que referido índice chegou a remunerar 0% de seu valor em períodos havidos entre os anos de 2009 e 2010.
Tendo em vista que a inflação ao longo desse tempo foi superior a 0%, alegava-se ter ocorrido perda efetiva de poder aquisitivo nos depósitos do Fundo, fato que violaria o artigo 7o, III, da Constituição Federal. Ainda no teor das razões do REsp 1.614.874, tal defasagem teria gerado uma diferença de quase 5.000% a menor nas contas.
De início, a pedido da Caixa Econômica Federal – alegando que o FGTS não tem natureza contratual, pois sua disciplina seria determinada em lei –, o Ministro Gonçalves suspendeu o trâmite de todas as ações relativas ao tema, estimadas em cerca de quase meio milhão em todo o país.
Posteriormente, em abril de 2018, a 1a Seção do STJ acabou por manter a TR como índice de atualização das contas do FGTS. Na visão do Ministro Relator: “tendo o legislador estipulado a TR como o índice legal de remuneração das contas vinculadas ao FGTS, não pode o índice ser substituído por outro pelo Poder Judiciário”.
Tal fato acabou por retrair os ânimos de todos os cidadãos que buscavam ter seu direito reconhecido junto ao STJ, uma vez que os processos voltariam a tramitar sob a égide negativa do entendimento havido naquele Tribunal.
Ocorre que a decisão no REsp 1.614.874 foi proferida na pendência de julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca do mesmo tema. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.090, o partido Solidariedade arguiu em favor de assunto correlato.
Em síntese, a ação ajuizada pelo Solidariedade sustenta que a TR aproximava-se do índice inflacionário quando foi criada, mas, a partir de 1999, com a edição da resolução CMN 2.604/99, teria passado a sofrer uma defasagem, a ponto de em 2013 ter sido fixada em 0,1910%, enquanto o INPC foi de 5,56% ao mês.
Ainda segundo o partido, ao lado das perdas dos correntistas teria havido enriquecimento ilícito por parte da Caixa Econômica Federal, a quem teriam sido revertidas as diferenças entre o rendimento do fundo e a correção creditada aos titulares das contas vinculadas.
Diante desses argumentos, recentemente, o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu uma medida cautelar no escopo da ADI, para determinar a suspensão de todos os feitos
que versem sobre a matéria, até o julgamento do mérito pelo STF – pautado para 12/12/2019. Assim, todos os processos sobre o assunto estão novamente suspensos, inibindo novas iniciativas.
Entretanto, uma terceira componente passou a incorrer sobre o tema. Em novembro de 2014, o mesmo Supremo Tribunal Federal (ARE 709.212) entendeu que deixa de prevalecer o prazo prescricional de 30 anos, anteriormente reconhecido nas súmulas 362 do TST e 210 do STJ, para as ações que busquem reparação no FGTS, passando-se a adotar o prazo de cinco anos para qualquer pleito relacionado ao Fundo.
Nesse enfoque, a partir da ciência da violação de seu direito, o cidadão passou a ter o prazo de cinco anos para exigir sua satisfação, por meio do ajuizamento da respectiva demanda, devendo também respeitar em eventuais hipóteses trabalhistas, o biênio prescricional, contado da extinção do contrato de trabalho.
No entendimento do Ministro Gilmar Mendes, relator da ARE 709.212, foi necessário aplicar modulação dos efeitos da decisão. Desse modo, a prescrição passou a ser trintenária para as parcelas vencidas anteriormente ao dia do julgamento, até o limite de 5 anos após o julgamento.
Portanto, como consentâneo logico, a alteração do prazo prescricional das ações sobre o Fundo de Garantia atinge o eventual ingresso quanto a demandas sobre a correção monetária, uma vez que essa matéria de fundo ainda é pendente de trânsito no STF.
Como se percebe, o debate é de tal modo relevante que poderia inclusive ter sido implementado no seio do Congresso Nacional. Todavia, o Legislativo optou por não o fazer.
Assim, dada a insegurança jurídica e para todos aqueles interessados em tentar rever a correção de seu patrimônio depositado junto ao FGTS, parece pertinente socorrer-se de uma ação judicial antes do dia aprazado para a prescrição, haja vista não se saber quais os efeitos ou alcances definitivos poderá ter a decisão do STF na ADI 5.090.
É importante deixar claro que o direito de ação é público e subjetivo do cidadão, expresso na Carta Magna em seu art. 5o, XXXV. Assim, qualquer pessoa que se julgue na necessidade de reivindicar alguma pretensão pode se socorrer da via judiciária.
Sobretudo, aos interessados, é relevante que eventualmente se previnam contra uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que somente terão direito à revisão nos índices aqueles que já tiverem acorrido à justiça.
– Renato Feltrin Corrêa – Advogado Correio Braziliense, caderno Direito & Justiça, edição de 28 de outubro de 2020